domingo, 31 de agosto de 2008

Telhados de Paris

Venta
Ali se vê
Onde o arvoredo inventa um ballet
Enquanto invento aqui pra mim
Um silêncio sem fim
Deixando a rima assim
Sem mágoas, sem nada
Só uma janela em cruz
E uma paisagem tão comum
Telhados de Paris
Em casas velhas, mudas
Em blocos que o engano fez aqui
Mas tem no outono uma luz
Que acaricia essa dureza cor de giz
Que mora ao lado e mais parece outro país
Que me estranha mas não sabe se é feliz
E não entende quando eu grito

O tempo se foi
Há tempos que eu já desisti
Dos planos daquele assalto
E de versos retos, corretos
O resto da paixão, reguei
Vai servir pra nós
O doce da loucura é teu, é meu
Pra usar à sós
Eu tenho os olhos doidos, doidos, já vi
Meus olhos doidos, doidos, são doidos por ti

(Nei Lisboa)

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Confissão

Páginas ao vento em confissão
Luas de setembro, céus em minhas mãos
Nuvens em assombro e procissão
Luas que me lembram noites que virão
Abre-se a razão sobre a razão de ser
Como no instante de te ver
E eu vejo a vida vindo ao meu encontro
E vejo agora o que amanhã chegar
Eu tenho os olhos sobre o teu encanto
E tudo a desvendar
Os quatro cantos desse mundo
Eu tenho a febre feita de alcançar
E tenho a força bruta das palavras
Ditas para amar

Mágicos inventos de verão
Luz e movimento, tempo em prontidão
Chamas de um incêndio e mansidão
Noites que amanhecem dias que virão
Abre-se o clarão sobre a razão de ser
Como um milagre a percorrer
E eu tenho o sol guiando meu caminho
E tenho as senhas pra te conquistar
Eu tenho o norte sob o fio da espada
E cada dia a me esperar
Nos quatro cantos desse mundo
E tantos quantos tenha de alcançar
Eu tenho a sorte de viver cantando
E o céu a me ajudar


(Nei Lisboa)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Prazer em conhecer-me

Prazer em conhecer, eu!

Quem é você?

Logo vi o teu jeito alegre e descontraído. E como falas! Deves ter muitos amigos... Estás sempre rodeada de muitas pessoas.

Quanto esforço você faz, para ser melhor que você mesma.

Você adora tomar iniciativas, talvez por isso, às vezes seja um pouco autoritária, do tipo “general”.

Mas porque você se abala e fica triste por tão pouco? Não se preocupe, os últimos serão os primeiros.

Porque será que algumas vezes, de uma hora para outra fica tímida, como se a voz faltasse e não conseguisse dizer tudo o que pensa.

Você que não se deixa dominar pelas influências.

Você que se preocupa com o futuro.

Você que é assim, tão como eu...

Prazer em me conhecer, em reconhecer o que realmente sou.

Eu, em 29/09/2000

Será que ainda sou eu?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Estranho

De repente estranho,
Estranhamente me estranho
E estranho espaços conhecidos
Que antes já foram tão meus
Os corredores agora me pressionam
As janelas, ainda que abertas, me fazem sufocar
Ficou tudo menor
Ou eu fiquei grande demais pra minha vida?
Como a escola onde estudei meus primeiros anos
Que parecia tão grande, tão gigante, tão imensa
E agora é um lugar onde não caibo mais
Aquele lugar que era tão meu,
Onde eu passava momentos, para mim importantes
Não me parece mais o mesmo
É estranho
Porque estranho a mim

Bianca Zanella
Em uma tarde linda e lenta...
26/08/2008

domingo, 24 de agosto de 2008

O último adeus do Los Hermanos

(texto publicado na revista Bizz, edição 215, julho de 2007. Autor: Ricardo Alexandre)
Nota: Apreciei muito a leitura deste texto, por isso o publiquei aqui para compartilhá-lo com mais pessoas. Nem sou fã de Los Hermanos, embora goste de algumas músicas deles que conheço (sim, inclusive Ana Júlia, mas não apenas Ana Júlia). Acho que vale pelo excelente trabalho crítico e jornalistíco de Ricardo Alexandre. Muito inspirador. Bianca

Como foram e o que significaram os três últimos shows do Los Hermanos antes de seu tão comentado "recesso por tempo indeterminado"
07/07/2008, 21:59 (atualizado em 08/07/2008 12:37)

Foi uma escolha óbvia, mas nem por isso menos que perfeita. A Fundição Progresso, ao lado das bibocas roqueiras da Lapa carioca, filha legítima do Circo Voador, era a mesma Fundição onde, em 1998, a banda tocou no cultuado festival Superdemo e onde gravou, anos depois, o clipe de "O Vencedor". Só na Fundição haveria tamanha concentração daquilo que se entende como público do Los Hermanos em forma, conteúdo e comportamento. Um massa de gente bastante jovem, mas com uma cara essencialmente universitária, educada. Os garotos todos tão barbados quanto sua idade permitisse, quase todos com aquelas camisas de gola semi-social de mangas curtas que até havia pouco era exclusividade dos cobradores de ônibus, as meninas como se estivessem recém-saídas de uma reunião no grêmio da PUC e todo mundo, TODO MUNDO, de All Star. Não são indies, não são mauricinhos, não é o público das feiras em que a banda tocava ao redor do Brasil e não seria o público do Canecão ou do Olympia. Mas é o público que a banda queria deixar gravado em sua retina, um público com cada verso dos quatro discos do Los Hermanos decoradíssimo, pronto para cantar bem alto, de olhinhos fechados, alternando bracinhos para o alto, com a palma da mão para cima, com bracinhos contritos, com as duas mãos juntas do coração. Três fornadas de 5 mil pessoas cada uma, que fizeram dos três shows de despedida um espetáculo cheio de simbolismo, como quase nunca se viu no Brasil.

Primeiro, e principalmente, porque no Brasil nenhuma banda acaba ou, melhor dizendo, se separa, já que oficialmente o grupo diz que se trata de um mero recesso por tempo indeterminado. No Brasil, as bandas se arrastam décadas a fio, com discos lançados apenas como pretexto para uma nova turnê, que rendem discos ao vivo cheios de hits de antigamente, que se alternam a acústicos, coletâneas e outras manobras de manutenção de marca. O Los Hermanos fez o que qualquer banda digna deveria fazer: cometeu um harakiri artístico antes que se transformasse em uma autoparódia, antes que lançasse um disco burocrático, antes que todo mundo se odiasse, ou que se mantivesse unida apenas pela grana. (Claro que nem todo mundo é tão íntegro assim, mas me deixe por enquanto lidar com as aparências para justificar minha teoria.)

E, depois, porque é um fecho irretocável para uma trajetória muito estranha, mas que, interrompida assim, no auge (e quem esteve lá, no meio daquela multidão de adoradores, não tem como não pensar em auge), ganha uma coerência imprevista. Imagine uma banda de colegas de faculdade que se juntou para fazer hardcore sub-Poindexter e que termina como queridinha da inteligência da música brasileira e manancial para cantoras de MPB; no meio do caminho, espaço para o sucesso de massa ("Anna Julia") e um fracasso de massa (o "Bloco do Eu Sozinho").

A se considerar esses descaminhos, a opção de promover a despedida na Fundição veio revestida de ainda mais significado como, afinal, cada um dos pequenos passos da banda até aqui. É a opção de falar com nossos fãs e mais ninguém opção altamente metida-a-besta, claro, como se eles não precisassem de mais ninguém além de seus fãs, mas que funciona bem à beça com eles.

Inicialmente, eram previstos dois shows por conta da decisão de entrar em recesso. Ambos foram anunciados em 23 de abril e marcados para o pós-feriado de Corpus Christi, dias 8 e 9 de junho. Quando o show de sábado teve as entradas esgotadas, foi anunciado um show extra, na quinta-feira, dia 7. No começo de junho, todos os três shows já estavam sold-out.

O frisson cresceu com a divulgação da notícia de que a banda havia ensaiado todas as músicas que fossem possíveis de tocar de seu repertório. Ou seja, para um grupo que gosta de cultivar o mito de que só escolhe seu set list pouco antes de cada show, era certo de que viriam três noites radicalmente diferentes umas das outras, com raridades para ser mastigadas com sabor pelos fãs. Muita gente comprou logo ingresso para as três apresentações, com grande concentração de fãs de outros estados na noite de sábado.

De fato, apesar dos cavalos-de-batalha posicionados nas três noites ("O Vencedor", "Todo Carnaval Tem Seu Fim", "Anna Julia", "O Vento"), os shows foram distintos entre si e muito diferentes da turnê do álbum "4", encerrada em dezembro no Morro da Urca. Não havia cenário, apenas uma enorme cortina de veludo preta, uma luz dura branca sobre os músicos e pequenas variações entre spots quentes e frios. E uma escuridão constante, poucos contrastes, algo que devia preocupar Nilson Primitivo, que cuidava do registro em vídeo dos shows.

Somos quem podemos ser

O que se viu nos primeiros segundos do show de sexta-feira foi simplesmente chocante. "Além do Que Se Vê", que raramente abria os shows, é um não-hit do álbum "Ventura" e não tem introdução instrumental. Há apenas a contagem dos compassos antes de surgir a voz de Marcelo Camelo, baixinha: "Moça, olha só o que eu te escrevi/É preciso força pra sonhar e perceber/Que a estrada vai além do que se vê". O barulho do entusiasmo pela entrada da banda no palco ainda não havia se dissipado quando o vocalista caminhou até o microfone e pronunciou a primeira sílaba da música: Mo..., sendo imediatamente engolido por um coral monstruoso de 5 mil jovens que urravam letra por letra com uma vivacidade de torcida uniformizada, antes de explodir em delírio durante o intermezzo instrumental inaudível. Eles explodiram NA PRIMEIRA SÍLABA! Qual a chance de uma cena dessas ocorrer fora daqueles limites? Nem no "Qual É a Música".

Nenhuma banda no Brasil pode usar tão adequadamente o termo fã quanto o Los Hermanos. Não dá nem para entender direito como se deu esse efeito. Recapitulemos: "Anna Julia", o primeiro hit do grupo, foi um case de dispersão. Virou hit de trio elétrico no Carnaval de 2002, foi regravada por Frank Aguiar, Mulekada, Jim Capaldi e Teodoro & Sampaio. Entretanto, me lembro bem do lançamento do "Bloco do Eu Sozinho" numa véspera de feriado de Natal em São Paulo, num Sesc Pompeia às moscas, num triste espetáculo de uma banda fraturada, assustada. Ali não havia fãs. Era, essencialmente o público de "Anna Julia " ou pelo menos os poucos infelizes que não haviam viajado para o Natal. Então, não venha me dizer que o disco difícil é que selecionou o público da banda. Não: de fato, alguns meses depois, o grupo, já barbado, tocou no pequeno Blen Blen, para um público menor ainda. Tinha "Traumas", do Roberto Carlos, no repertório, e uma banda incrivelmente renascida: confiante, unida, íntegra. Mas segurança não enche barriga. De novo, não tinha nada desse negócio de fã com mãozinha para o alto.

Olhando da área para convidados na Fundição Progresso, empoleirado algumas dezenas de metros acima do palco, como se fôssemos muito maiores do que a própria banda, algumas fichas começaram a cair. O som está tradicionalmente ruim (Amarante faz troça disso na segunda noite, inclusive) e só se ouve o que sai das caixas acústicas quando o público deixa, nas brechas instrumentais. Daí que, com o repertório de todas as fases em exposição como em um baralho sobre a mesa, fica exposto como banda foi abaixando o tom de voz de oitava em oitava até chegar ao sussurro das delicadas canções de "4". Canções preparadas para que o público levasse a banda no colo o que é muito diferente de audience participation, do tipo "agora é só vocês" ou do canto-e-resposta dos shows em estádios. Mas é esta a liga entre o universo indie onde eles surgiram e as várias, várias mesuras ao público lançadas por Camelo ("Vocês são foda", "Vocês são a razão disso tudo") que não fariam feio durante o Ivetão no Maraca.

Mas o público pede "Pierrot" e esgoela "O Velho e o Moço" como se não existisse Jovem Pan e MTV. E faz mosh com passinhos de Carnaval. E joga serpentina no palco e confete em si mesmo. O processo é obviamente fora do controle da banda então só restou entregar o manche para o público de vez. E há quatro caras lá no palco, mais olhando do que qualquer outra coisa. Caras magros, frágeis, com uns ternos não muito bem cortados. E o público cuidando deles. O que já desmonta as comparações com Renato Russo, que, do contrário, era metido a cuidar do mundo.

Aliás, a relação da banda com seu público lembra muito mais os Engenheiros do Hawaii. Como o trio gaúcho era odiado pela imprensa, Humberto inventou o que ele chamava de ligação direta com o público. Os hermanos não são odiados pela imprensa, mas têm se esforçado tanto em cultivar o mistério em torno de si e a espalhar a contra-informação que parece que o hobby dos caras é desconcertar e humilhar jornalistas. No show da Fundição, por exemplo, a nenhum cavaleiro da informação foi permitido acesso aos camarins, a nenhum fotógrafo foi permitido acesso ao fosso dos fotógrafos. Nenhuma entrevista foi concedida antes ou depois. "Nós nem fizemos nota oficial para a imprensa sobre o show", lembra o empresário da banda, Simon Fuller. "Apenas colocamos no site, que é nosso canal de comunicação com nossos fãs, porque era a eles que devíamos satisfação".

No Brasil, há esse estranho troféu almejado por boa parte dos artistas, o de nutrir a antipatia da imprensa. Camelo e Rodrigo Amarante estudaram jornalismo (o último, por certo tempo, fazia questão de constranger seus entrevistadores gravando ele próprio as entrevistas que concedia). Com o passar do tempo, seus fãs entenderam exatamente o mood, especialmente no serviço de marketing-viral em tempos de Youtube: espalharam três dos mais engraçados vídeos envolvendo uma banda nacional, todos registrando entrevistas da banda para jornalistas despreparados. Em um deles, a repórter brasiliense, após citar uma certa parceria do grupo com Elis Regina, apresenta Camelo como Marcelo Campelo. Em outra, Camelo/Campelo perde a paciência com os empolgados repórteres de bastidores do Ceará Music. E, num terceiro, Amarante passa uma lição de apuração a um repórter que insiste em perguntar sobre o incômodo provocado por "Anna Julia". Os comentários dos fãs não escondem o jogo: jornalistas idiotas, deprimente a condição de nossos repórteres etc.

Seja como for, a capacidade quase irritante que os quatro têm de dosar informação e contra-informação e, especialmente, sua saudável arrogância foram um oásis que reverteu em ainda mais atenção da mídia, aumentou o mistério em tempos tão devassados quanto os que vivemos e só fez aumentar seu status cult. Talvez seja uma das chaves para entender a relação da banda e seu público.

No caso de sua temporada de despedida, havia não só o boato das gravações para lançamento (solução do problema: os shows foram gravados em áudio e vídeo, mas por conta da banda; logo, não há previsão de lançamento comercial) como também o diz-que-diz da temporada em si. "E aí, a banda vai acabar mesmo? Por quê? Amarante brigou com Camelo? Camelo quer sair em carreira solo? E o que será do Barba?" O tecladista Bruno Medina ajudou na confusão, escrevendo em seu site coisas como "Não há como se preparar para um período quando o que fiz nos últimos dez anos não mais norteará minha rotina" e "Não é possível determinar um prazo para esse processo, porque, se fosse previsível, não seria de fato".

Tudo disso rendeu um efeito interessante: em nenhum momento durante os shows na Fundição, sequer se cogitou a formação de um clima de adeus. Foi realmente um até breve, em três noites emocionadas, mas revisionistas e felizes. E, como todos sabemos, não dizer o que se pensa já é pensar em dizer.

A lei da sinceridade

Anna Julia saiu em agosto de 1999, antecedendo o álbum "Los Hermanos". A banda tinha menos de dois anos e uma personalidade em formação. Surgida com a pretensão de integrar o circuito alternativo carioca hardcore, os hermanos se vestiam com ternos brancos tipo gafieira e chapéus panamá, cantavam canções falando de amor por influência do Bon Jovi e circulavam o imaginário do samba, falando de pierrots alcoólatras e de amor e folia. Uma das músicas mais tocadas daquele biênio, "Anna Julia" estabeleceu um certo padrão de rock barulhento que versava sobre amores adolescentes muito antes do emo ou do CPM22 e foi uma certa cruz para a banda. Por causa do sucesso popular, o então quinteto se viu diante de um público que não era o seu. ("Tocávamos para universitários e de repente começou a aparecer meninas de 10 anos nos shows", lembra o ex-baixista Patrick Laplan.) E por causa do sucesso, a próxima faixa de trabalho, o rockão "Quem Sabe", foi postergada, em favor de mais uma balada jovem-guardista, a quase redundante e hoje proscrita "Primavera".

Foram 300 mil cópias vendidas do álbum, o que deu liberdade para a banda produzir o disco seguinte sem sequer mostrá-lo à companhia. Os cinco sumiram em um sítio para compor o segundo disco, num processo tenso o suficiente para que Laplan saísse. "Bloco do Eu Sozinho" era tão bizarro em soluções de arranjo que nem o empresário da banda se aventurou a defendê-lo dentro da gravadora, que chamou o produtor Marcelo Sussekind para dar um trato no monstro. Em guerra com sua própria gravadora, os hermanos venderam bem menos (40 mil), tocaram muito menos (de 145 shows para 56) e foram encostados do mercadão. Se o disco acabou virando mito posterior, vale lembrar de uma brilhante crítica da Ilustrada, assinada por Pedro Alexandre Sanches, em que ele notava que se em seu disco de estréia esses garotos soavam constrangedoramente infantis, a volta com "Bloco do Eu Sozinho" causa desconforto em proporção talvez equivalente, porque nele querem a todo custo parecer bem mais adultos do que são.

Na casa dos 23 anos, os hermanos agora apareciam barbudos como se estivessem na The Band. Abandonavam totalmente o acento hardcore-pula-pula do início e faziam questão de, tanto quanto podiam, excluir "Anna Julia" do repertório. Passaram a ostentar o crachá de banda impraticável, suicida comercial e suas feridas seriam saradas por quem? Por seu grupo de fãs, que crescia lentamente, tanto quanto crescia o grupo de pessoas dispostas a entender por que cargas dágua alguém abriria mão de tocar "Anna Julia" com um trunfo desses no repertório. E toda vez que eram inquiridos sobre essa relação de amor-e-ódio com seu hit, enrolavam e não respondiam nada.

Desde então, "Anna Julia" só entra estrategicamente, o que sempre gera aquela boa tensão (Será que vai ter Anna Julia?), mas acabou voltando ao repertório no final da turnê do 4, quando, não por acaso, os shows ganharam contornos mais revisionistas. "Anna Julia" esteve em todos os três shows na Fundição Progresso. Foi tocada de um jeito que, longe de ser burocrático, era uma nítida concessão. Não uma concessão ao popular (curiosamente, as favoritas do público não eram as mais tocadas em rádio, mas as que o público conseguia cantar mais forte): o clima era "ok, todos sabemos que temos um clássico aqui e não podemos deixar de tocá-lo porque respeitamos a História da Música Brasileira". Você vai dizer que eles estão errados? Não estão. Mas há de ser dito que a graça de "Anna Julia" é movida por uma entrega, por uma sinceridade tola que não têm mais a ver com o Los Hermanos apenas com seus fãs.

Seria injusto usar do aspecto blasé da banda para atacá-la, até porque muito de seu charme reside ali. Alguns gostam de lembrar que Camelo não era exatamente um cérebro ambulante no tempo da faculdade para que se permita que ele hoje circule de gênio amargurado da MPB. Ou o quanto a banda significou para todos eles nos tempos de underground, antes que adotassem uma postura de indiferença programada. Os gurus marketeiros Al Ries e Jack Trout inventaram um nome pra isso. É a Lei da Sinceridade. Funciona assim: a propaganda ressalta um fator negativo do produto que quer vender (tipo Listerine, o gosto que você odeia duas vezes por dia ou Grape-nuts, um prazer a ser adquirido) e, em perspectiva, o consumidor imagina outro positivo. Em música, isso funciona que é uma beleza. Renato Russo era feio, então só podia ser inteligente. Marisa Monte não costuma ir ao Faustão, então é porque sua música se basta. Os Paralamas do Sucesso nunca deram bola para o visual, então, em perspectiva, eles são legítimos e honestos. O Los Hermanos é um bando de garotos enfeiados, não costumam ir ao Faustão e estão sempre com barba por fazer vestindo camisetas furadas. Logo, só podem ser a maior banda do Brasil.

A um passo da MPB

E durante aqueles três shows, não havia maior banda no Brasil. E pensando bem, quem consegue arrastar 5 mil pessoas para cantar "Hallelujah" (na versão de Jeff Buckley) durante o som mecânico, tem mesmo algo de especial. O Los Hermanos inventou sozinho o college rock brasileiro, com acento próprio e uma ligação efetiva com o público universitário daqui. Mombojó, Moptop, Violins, Monno, Ludov, todos devem certo tributo aos cariocas. E desde o dia 10, quando o tal recesso entrou em vigor, também essa trajetória fica incorruptível, a salvo de qualquer mudança de humor do mercado e, claro, a salvo dos próprios integrantes da banda.

O boato de separação já se espalhava desde o início de 2006, quando "Condicional" foi eleita faixa de trabalho, sucedendo "O Vento", ambas de autoria de Rodrigo Amarante. O ruivo estaria deixando a posição de vice-cara para pleitear o papel de maior destaque, até então na mão de Marcelo Camelo. Este, por sua vez, estaria cada vez mais seduzido pela carreira solo e cada vez menos interessado na banda. O lançamento da coletânea "Perfil", em outubro, parecia colocar um ponto final na carreira (na verdade, o disco foi uma sugestão da Som Livre, não do grupo). Em maio, quando começariam os ensaios para a gravação do quinto disco, não chegou a surpreender a nota no site oficial, dando conta do recesso. Amarante, Camelo, Barba e Bruno simplesmente decidiram parar, antes dos ensaios. Imagine como o mundo seria melhor se todas as bandas preferissem o silêncio a um disco sem inspiração.

E há a boa e velha especulação. Camelo diz que seu objetivo é descansar, após dez anos de trabalho intenso. Entretanto, a nota do site fala em necessidade dos integrantes de se dedicarem a outras atividades. E o sucesso ou fracasso dessas quatro carreiras são fundamentais para decidir se o recesso é temporário ou definitivo.

Quem sai na frente na vida fora dos hermanos é Rodrigo Amarante. O primeiro álbum da Orquestra Imperial, da qual faz parte ao lado de outros 18 figuras do universo artístico carioca, já deve estar nas lojas quando você ler estas linhas. "Carnaval Só Ano Que Vem" abre com uma composição de Amarante, "O Mar e o Ar", escrita em parceria com Domenico Lancelotti e Kassin. Segundo se comenta por aí, o ruivo deve participar do próximo disco de Devendra Banhart a quem teria convidado para produzir a própria estréia solo.

Amarante tem o benefício da leveza. Já Camelo, que foi catapultado à categoria de compositor sério em 2003, quando foi escolhido para rechear a estréia de Maria Rita com três composições, terá um trabalhinho e tanto para manter-se com os pés na terra. Camelo levou o Los Hermanos a ocupar um papel que, nos anos 80, foi dos Titãs: o do jovens roqueiros inteligentes, com direito a transitar entre o rock e a MPB. Acabou virando compositor requisitado por Roberta Sá, Bebeto Castilho, Virgínia Rosa, Fernanda Porto e pela própria Maria Rita em seu segundo disco. Camelo compôs para o filme O Casamento de Romeu e Julieta, virou chapa da Paula Lavigne e os Hermanos espalhavam suas barbas para territórios como Odair José e Caetano Veloso.

E o primeiro registro de Camelo pós-recesso já causou controvérsia. É a participação no "Acústico MTV" da dupla Sandy & Junior, que sai em agosto. O hermano participa de "As Quatro Estações". Típica atitude MPB: a inteligência dignifica o popular, como fez Caetano com Peninha ou Adriana Calcanhotto com Buchecha. Some-se a isso a declaração do produtor Kassin a O Globo, dizendo que Camelo tem vontade de fazer um disco inteiro só com violão de nylon e acende-se a luz amarela. Lembrou-me aquele disco do Falcão, "A um Passo da MPB", em que o brega cearense aparece de muletas na capa.

Se "Ventura", o teceiro disco da banda (de 2003), conseguiu abrasileirar e modernizar a receita, "4" (de 2005) foi recebido com horror pelos roqueiros mais ortodoxos. Amarante caetanizou; Camelo bethanizou e daí pra baixo. Se vendeu e tocou pouco, foi mais um desafio que o público fanático encarou com alegria (a abertura de sábado, com a barroca "Dois Barcos" foi tão ovacionada quanto, digamos, "O Vencedor" na quinta-feira). Era a grande questão musical a ser resolvida no quinto trabalho da banda.

Talvez essa questão não seja resolvida nunca e talvez seja melhor assim. Porque daqui a pouco a arrogância rocknroll da banda se transformaria em simples prima-donismo, as aventuras pela MPB se transformariam em caretice, as melodias tortuosas se transformariam em uma fórmula e, o maior de todos os perigos, essa importância fundamental que eles têm na vida de seu público se transformaria em mais um tesouro da juventude, perdido junto com os episódios de "The O.C". com Jeff Buckley na trilha.

Por hora, basta imaginar que Barba, Amarante, Camelo e Bruno fizeram tudo o que fizeram durante os dez anos mais ingratos para quem lida com música, em meio a desmoronamentos de mercado e mercantilização da rebeldia, em meio a novas tecnologias e a disseminação de que atitude é um item que se compra na loja de streetwear. Todo esse rebuliço que causaram é mesmo de tirar o chapéu. Acabou, é hora de viver.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.


(Eugénio de Andrade)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Um blues pra você chorar

Pediu pra eu esquecer
Pega e some de vez
Sem saber que assim era pior
Tá certo que eu pisei na bola
Tudo bem
Mas o teu amor não é esmola
Pra quem te trata bem
Tua vida virtual, só te deixou na mão
O teu amor não é normal, ele é ponto com

Não pense que eu fiquei triste
Pensando em te ligar
Eu preferi fazer...

Um Blues pra você chorar um poquinho por mim


(Canastra Suja)

domingo, 17 de agosto de 2008

Love you 'till the end

I just want to see you
When you're all alone
I just want to catch you if I can
I just want to be there
When the morning light explodes
On your face it radiates
I can't escape
I love you 'till the end

I just want to tell you nothing
You don't want to hear
All I want is for you to say
Why don't you just take me
Where I've never been before
I know you want to hear me
Catch my breath
I love you 'till the end

I just want to be there
When we're caught in the rain
I just want to see you laugh not cry
I just want to feel you
When the night puts on its cloak
I'm lost for words don't tell me
Cuz all I can say
I love you 'till the end


(The Pogues, P.S. I love you)

sábado, 9 de agosto de 2008

Sim, eu converso com estranhos

Depois de perceber que muitas vezes sou estranha a mim mesma eu passei a ignorar o conselho de “não falar com estranhos”. E quando eu falo em estranho, não me refiro à conotação de “desconhecido”, mas ao que é realmente estranho.


Sábado de plantão no jornal, duas matérias e uma monografia inteira a ser feita para a faculdade e eu só tenho inspiração para escrever crônicas... Essa eu pensei enquanto estava na rua, ainda, e vim pra casa mais rápido para não esquecer. Cheguei, soltei rapidamente as compras da padaria (meu estoque de calorias para o final de semana), liguei o notebook e escrevi... assim... sem parar. Ah, se a monografia fosse assim...


Hoje quando voltava para casa, triste como normalmente volto nos dias solitários, fui surpreendida por uma voz atrás de mim que cantava: Ever breath you take...

Não, eu não achei que fosse pra mim. Mas podia ser. De qualquer modo aquilo era incomum e involuntariamente fui levada a olhar para trás enquanto caminhava por uma das ruas retas recentemente asfaltadas de Satolep.

Ali eu vi a origem dos versos: um rapaz cabeludo, sobretudo preto, violão nas costas. Ele era um estranho e a partir daquele momento se tornara um estranho-conhecido-meu em potencial, o que veio a se confirmar instantes depois.


Como andava mais rápido, passou por mim na calçada e ao passar não parou de cantar, apenas baixou o tom. A passos largos ganhou distância, mas uma sinaleira aberta na esquina seguinte foi a responsável por nosso imediato reencontro. Quando me aproximei ele encerrou a música, e para acabar com o constrangimento eu tomei a iniciativa de quebrar o silêncio. “Bom saber que eu não sou a única louca que ando cantando por aí”, falei rindo, ao constatar que tínhamos algo em comum, embora com uma diferença: ele cantava bem, e eu sou totalmente desafinada.


O fato de perceber isso não fez com que eu sentisse nenhuma atração por ele. Eu não sinto atração por todos os estranhos que conheço. Sinto apenas vontade de conhecê-los. Já diria aquele velho ditado... eu não estava "dando em cima", nem ele aliás, só estava sendo legal...


Ele me disse que ia tocar hoje à noite em uma pizzaria, somente repertório dos anos 60, 70 e 80, e por isso estava aproveitando o tempo de deslocamento para ensaiar. Contou-me também dos agudos necessários em algumas músicas, falou rapidamente – e de modo muito excêntrico – sobre as coisas mais fantásticas do universo musical do final do século passado.


Três quadras adiante eu mudei de direção e ele continuou, logo após se apresentar e me convidar para ir, à noite, ver o show na pizzaria. Como era mesmo o nome dele? Luciano? Elvis?


Não vou ao show, vou trabalhar hoje à noite, e, quem sabe, ler alguma coisa para a minha monografia.


Esse é mais um tributo aos estranhos que conheço por aí, e que talvez nunca mais volte a encontrar.