quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Daquilo que eu sei

Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza...

Daquilo que eu sei
Nem tudo foi proibido
Nem tudo me foi possível
Nem tudo foi concebido...

Não fechei os olhos
Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei
Ah Eu!
Usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo!
Cada vez mais limpo!
Cada vez mais limpo!


(Ivan Lins)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Relógio

Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Dia e noite
Noite e dia

(Vinicius de Moraes)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Fluxo e Contra-fluxo


Publicado originalmente em: http://rafaelsica.zip.net/

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Os velhinhos da calçada

A gente tem certeza que o verão chegou quando volta a ver os velhinhos na calçada. Ao lado de onde eu moro, moram vários. Me ocorre agora que talvez eles sempre estejam ali, mas que no inverno eu não possa vê-los, quando chego em casa já de noite. Como é bom reencontrá-los nos fins de tarde, no ritual diário do chimarrão, cumprimentá-los e receber em troca um sorriso gentil. Como são felizes os fins de tarde de verão em que posso sair do trabalho e encontrar no caminho as árvores da ladeira da rua Princesa Isabel...
Bom mesmo é sair de casa de tênis e mangas curtas, levando apenas a chave e o celular na mão. A chave para poder voltar para casa quando quiser, e o celular... pra quê?

sábado, 18 de outubro de 2008

O tempo e o elefante

"Aprendeu a conviver com a verdade. Não a aceitá-la, mas a conviver com ela. Era como viver com um elefante. O quarto era pequeno, e toda manhã ele tinha de se espremer em torno da verdade para chegar ao banheiro. Para alcançar o armário e pegar uma cueca, tinha de engatinhar sob a verdade, rezando para que ela não escolhesse aquele momento para sentar-se sobre o seu rosto. À noite, quando fechava os olhos, ele a sentia assomar acima dele."

(Nicole Krauss, A história do Amor)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Torcida

'Mesmo antes de nascer,

já tinha alguém torcendo por você.


Tinha gente que torcia para você ser menino.

Outros torciam para você ser menina.

Torciam para você puxar a beleza da mãe,

o bom humor do pai.

Estavam torcendo para você nascer perfeito.



Daí continuaram torcendo.

Torceram pelo seu primeiro sorriso, pela
primeira palavra , pelo primeiro passo.

O seu primeiro dia de escola foi a maior torcida.

E de tanto torcerem por você,

você aprendeu a torcer.

Começou a torcer para ganhar muitos presentes e flagrar Papai Noel.

Torcia o nariz para o quiabo e a escarola.

Mas torcia por hambúrguer e refrigerante.



Começou a torcer até para um time.

Provavelmente, nesse dia, você descobriu que tem gente

que torce diferente de você.

Seus pais torciam para você comer de boca fechada, tomar banho,

escovar os dentes, estudar inglês e piano.

Eles só estavam torcendo para você ser uma pessoa bacana.



Seus amigos torciam para você usar brinco,

cabular aula, falar palavrão.

Eles também estavam torcendo para você ser bacana.

Nessas horas, você só torcia para não ter nascido.

E por não saber pelo que você torcia, torcia torcido.

Torceu para seus irmãos se ferrarem, torceu para o mundo explodir.



E quando os hormônios começaram a torcer,

torceu pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso.

Depois começou a torcer pela sua liberdade.

Torcia para viajar com a turma, ficar até tarde na rua.

Sua mãe só torcia para você chegar vivo em casa.

Passou a torcer o nariz para as roupas da sua irmã, para as idéias dos
professores e para qualquer opinião dos seus pais..

Todo mundo queria era torcer o seu pescoço.

Foi quando até você começou a torcer pelo seu futuro.

Torceu para ser médico, músico, advogado.

Na dúvida, torceu para ser físico nuclear ou jogador de futebol.

Seus pais torciam para passar logo essa fase.

No dia do vestibular, uma grande torcida se formou. Pais, avós,

vizinhos, namoradas e todos os santos torceram por você.



Na faculdade, então, era torcida pra todo lado. Para a direita, esquerda,

contra a corrupção, a fome na Albânia e o preço da coxinha na cantina.

E, de torcida em torcida, um dia teve um torcicolo de tanto olhar para ela.



Primeiro, torceu para ela não ter outro.

Torceu para ela não te achar muito baixo, muito alto, muito gordo, muito magro.

Descobriu que ela torcia igual a você.

E de repente vocês estavam torcendo para não acordar desse sonho.



Torceram para ganhar a geladeira, o microondas e a grana para a viagem de lua-de-mel. E daí pra frente você entendeu que a vida é uma grande torcida.


Porque, mesmo antes do seu filho nascer, já tinha muita gente

torcendo por ele.

Mesmo com toda essa torcida, pode ser que você ainda

não tenha conquistado algumas coisas.

Mas muita gente ainda torce por você!

Se procurar bem você acaba encontrando.

Não a explicação (duvidosa), mas a poesia (inexplicável) da vida.'

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Da cólera ao silêncio

"(...) Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta (...)" Caio Fernando Abreu

Palavras

A obra convence pelos fragmentos, ninguém a lê por inteira.
Vou começar e concluir a leitura em ti, minha mulher. És a página que dobrei para retornar; o manuscrito que nunca acordei de completo.
As palavras, como pêras, perecem ao toque. E é tarde para não mastigá-las. Palavras e palavras, destruíram as que me dariam significado.
Mudei de endereço e nenhum sinônimo me localiza.

(Fabrício Carpinejar, citado por Felipe Pena no livro Teoria do Jornalismo)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Pausa

Toda sexta-feira à noite começa o Shabat para a tradição judaica.
Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação.

Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo.

A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.
Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de "pausa" é preenchido por diversão e alienação.
Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações para não nos ocuparmos.

A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições.

Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim.

Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo.

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme.

As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.
Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo.

Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente.

As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias e o domingo de um feriado.

Nossas(os) namoradas(os) querem "ficar", trocando o "ser" pelo "estar".

Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI - um dia seremos nossos?
Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.

Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos.

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida.

A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é: o que vamos fazer hoje? Já marcada pela ansiedade.
E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande "radical livre" que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

(Do Rabino Nilton Bonder - o conheço, é jovem e surfista, apenas para saberem)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

No necesito nada

Acostumbrado, equivocado
no veo el cielo, está nublado
apareciste sin que te buscara nadie, no esperaba encontrarte ahí
tal vez tu risa no tenía sombras, no tenía cara
fue todo lo que ví
me prestaste un beso
me prestaste calma
me prestaste todo lo que me faltaba
tenés la receta justa para hacerme sonreir
y todo el tiempo
sabés lo que me asusta
sabés lo que me gusta estar con vos
me robaste el cuerpo
me robaste el alma
ya es tuya la voz con la que antes cantaba
me quitás el sueño
me quitás el habla
pero si estoy con vos no necesito nada

na na na na... nada
na na na na... nada
(no necesito nada)


(No Te Va Gustar)